Cavar um buraco debaixo dos pés tão fundo que qualquer progresso que se acrescente para de lá sair seja uma melhoria.
A campanha negra da PaF
Os partidos da PaF ganharam as eleições, mas a vitória não lhes garantiu maioria suficiente na Assembleia da República. Tinham por isso de garantir essa maioria através de negociação com os restantes deputados eleitos, mas não a asseguraram.
Como não obtiveram maioria suficiente em deputados da sua força política, nem em negociações na Assembleia da República, não reuniram por isso legitimidade suficiente para fazer aprovar o seu programa de governo. A PaF pegou então nessa impossibilidade e transformou-a numa campanha negra de medo e de acusações de golpe de estado e ilegitimidade.
Fê-lo sabendo que não tinha reunido os necessários apoios de outros partidos ao programa que apresentou. Sabia que não reunia deputados suficientes na Assembleia da República para aprovar o seu programa de governo, mas preferiu a pantomina do golpe de estado à conciliação dos cidadãos portugueses após as eleições.
Quiseram fazer crer que os deputados eleitos não teriam legitimidade para decidir um governo para além da força política mais votada em eleições. Preferiram ignorar que após eleitos, os deputados têm ainda de garantir que o programa do governo que apoiam é aprovado, que esta aprovação não é um mero pró-forma e muito menos folclore tradicional.
Falhada essa tentativa e confrontados com a nomeação de um novo governo, pretenderam que a alteração de rumo de governação traria de volta o resgate, o fim da aprovação dos mercados para as nossas necessidades de dívida e o desgoverno orçamental.
Usaram as promessas e ilusões da campanha eleitoral para dizer que tudo o que a PaF tinha feito seria destruído pelo novo governo. Foram contrariados pelas análises da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), a mesma a que queriam submeter o programa eleitoral do PS antes mesmo deste ser programa de governo.
A democracia não é um monopólio de ideias e de opções, e ainda bem. O PS apresentou uma alternativa negociada e aprovada por maioria de deputados eleitos para a Assembleia da República. Deliberou com as forças políticas que estiveram disponíveis para o fazer e conseguiu assim chegar a uma solução governativa.
A PaF tentou condicionar a ação dos restantes partidos da Assembleia da República através do medo e das mentiras. Em lugar de cuidar que tinha feito as previsões corretas para a aprovação do seu programa de governo, dedicou-se à propaganda de demonização dos outros partidos.
Os urros de “Bancarrota”, “Syriza” e “resgate” podem não ter sido a melhor estratégia de negociação, mas é uma estratégia de crispação que pensam cavalgar em protesto na oposição.
Vamos ver quanto tempo consegue a PaF sustentar-se como partido de protesto através desta campanha negra sem que os próprios militantes comecem a pronunciar-se por uma atitude mais deliberativa, menos crispada e mais conciliatória, necessárias à manutenção da integridade de Portugal como comunidade.
(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 10 de dezembro de 2015)
Subversão do debate político
A discussão política no espaço público deve permitir o debate aberto das ideias, com contributos de todos os interessados, suportado no livre acesso à informação, com a possibilidade de escrutinar publicamente as posições tomadas por todos os intervenientes e com formas alternativas de obter a informação. Estes princípios aumentam a possibilidade de termos um debate suportado na racionalidade.
A manutenção deste estado subversivo do debate e da informação ofuscada pelos apoiantes dos partidos que suportam o governo e formavam a coligação Portugal à Frente (PàF) contraria estes princípios em favor de uma maioria relativa do eleitorado que votou nessa coligação. Os resultados foram só claros ao indicarem qual o partido com mais mandatos na Assembleia da República, mas também foram claros ao não darem maioria absoluta.
Estes partidos continuam a atuar ignorando o passado, como se parte dos cidadãos eleitores não existissem e o Partido Socialista (PS) ainda estivesse no Governo em funções desde 2011. Mantiveram uma campanha de oposição a um PS que já não era Governo e de mascaramento dos números da sua governação, atuando ao nível da ocupação quase total do espaço mediático com a sua mensagem, roubando aos eleitores um princípio essencial do debate democrático.
O discurso político utilizado pela PàF tem sido o de medo dos mercados, o do ódio aos trabalhadores do Estado e de esmagamento de qualquer ideia que possa sequer pensar em defender uma rede de suporte social para aqueles que sejam menos afortunados na sociedade. Fazem-no, quer estejam em tempo de campanha, quer se encontrem em governação absolutista dos destinos do país ou, como agora, em que se debate a consensualização da forma de aplicar o poder de forma estável e duradoura, tal como é esperado dos partidos políticos.
Repetem sem parar os dogmas da sua doutrina como se se tratasse de factos explicáveis racionalmente. Fazem-no à exaustão para que uma mentira repetida muitas vezes acabe por se tornar algo que os cidadãos reconheçam como verdade. Desta vez procuram passar a ideia de que o PSD em minoria na Assembleia da República, sustentada pela abstenção ou aprovação pontual de medidas pelo PS, é a única forma de garantir um “tempo do compromisso” “estável e duradouro” como pediu o Presidente da República a Pedro Passos Coelho, quando decidiu convidá-lo a verificar se tinha condições para formar Governo.
O Presidente da República decidiu este convite recusando acusações de se substituir aos partidos políticos. Pois foi isso mesmo que fez ao não ouvir os partidos representados na Assembleia da República. Ao ignorar o art.º 187 da Constituição da República, o Presidente da República ignorou não só os partidos políticos, mas todos os cidadãos que os escolheram como seus legítimos representantes.
Por seu lado, Pedro Passos Coelho e os partidos que o apoiam voltaram aos jogos pueris das cartas enviadas ao PS. Enviam uma carta ao PS precisamente antes da saída do secretário-geral do PS para ser recebido pelo Presidente da República. Repetem as táticas subversivas de 2011 para se vitimizarem depois, seja qual for a decisão e argumentando que tudo fizeram.
O Presidente da República, o PSD e o CDS excluíram os legítimos representantes dos cidadãos que não votaram nestes dois partidos e coube ao PS aceitar o voto soberano e incluí-los no debate político de formação de um Governo duradouro para Portugal. O diálogo com todos os partidos políticos, aceitando a decisão soberana do povo ao eleger deputados de outros partidos, é a via democrática.
O que está aqui em causa não é se a PàF ganhou ou não as eleições legislativas de 2015 ou se o PSD é o partido com maior número de mandatos na Assembleia da República, mas se essa vitória dá ao Presidente da República e aos deputados do PSD, em coligação do CDS, a capacidade para suportar um Governo na Assembleia da República. O PS já disse no Acção Socialista Digital que perdeu as eleições legislativas de 2015. O que o PS nunca disse foi que tinha desistido de Portugal.
(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 15 de outubro de 2015)
A lengalenga do governo
A narrativa deste governo é simples. Não é verdade, mas parece plausível. É é fácil de repetir. Funciona como uma lengalenga infantil. Preenche o espaço e adormece as ideias. É repetida ad nauseum.
- O governo anterior levou o país à bancarrota.
- Não há dinheiro.
- Nós recuperámos o país.
- Se não votarem em nós, a dose é repetida.
A lengalenga é repetida por todos os meios. A lengalenga suspende o raciocínio. A lengalenga não questiona. A lengalenga parece inofensiva. A lengalenga enxovalha quem discorda. A lengalenga agride quem foi sacrificado. A lengalenga não admite contraditório, diz como tudo aconteceu e vai voltar a acontecer.
Vamos aos factos:
- Será que o governo anterior levou mesmo o país à bancarrota?
- Não houve uma crise nos mercados financeiros que se espalhou dos Estados Unidos da América aos bancos europeus?
- E não houve uma reação da Comissão Europeia e do Conselho Europeu a pedir aos governos que investissem e recuperassem esses bancos?
- E não disparou o preço do petróleo?
Não ousem questionar a narrativa abertamente ou a resposta vem pronta e breve:
- O governo anterior levou o país à bancarrota.
- Não há dinheiro.
- Nós recuperámos o país.
- Se não votarem em nós, a dose é repetida.
Por mim, chega. Chegou a altura de eliminar a lengalenga deste governo.
Proponho uma nova lengalenga. Uma lengalenga que vou contrapor vezes sem conta. Uma lengalenga que me vai libertar da narrativa deste governo. Uma lengalenga que me alertará para cada mentira dita, para cada promessa falhada, para cada garantia de trapalhada. Uma lengalenga que quero ver desaparecer em breve, mas que não posso ainda deixar de repetir até que deixe de haver razões para ela existir.
A minha lengalenga vai desaparecer com um novo governo e com novas políticas.
1. O país está pior.
2. As pessoas não estão melhor.
3. A economia não recuperou.
4. O desemprego aumentou.
5. A dívida pública subiu.
5. O governo falhou.
6. Não quero repetir mais esta dose.
(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 28 de julho de 2015)
Quem polícia a policia? Better Regulation Watchdog
O texto acima é o excerto inicial do comunicado de imprensa publicado no próprio site de um auto-intitulado Better Regulation Watchdog. Quando as organizações em que se aglomeram a Associações Voluntárias da Sociedade Civil (ver definição do Prof. José Manuel Leite Viegas de 2011 no Boletim do Núcleo Cultural da Horta, pág. 43-58 “A Participação Associativa Em Portugal: Que Contribuição Para Uma Sociedade Civil Forte.”) se juntam para criar um grupo de pressão junto dos organismos que governam a União Europeia, facilmente concluímos que até a sociedade civil sabe que em breve já pouco ou nada se poderá decidir localmente em cada aldeia-nação da Europa.
Nas Associações Voluntárias da Sociedade Civil incluem-se todas as associações em que não existe obrigação de participação. Neste grupo incluem-se organizações de ação cívica, clube desportivos, associações recreativas, organizações religiosas, sindicatos, associações profissionais, organizações patronais. Estas últimas, segundo Leite Viegas seriam as associações voluntárias de defesa de interesses e provavelmente as mais interessadas em criar um organismo deste tipo. Deparadas com incapacidade de influenciar os resultados das políticas nos seus próprios países, organizaram-se federando-se ou associando-se a organizações de dimensão europeia para se fazerem ouvir
A construção europeia tomou para os organismos centrais europeus a política de investimentos e monetária e deixou para o governos locais de cada nação as preocupações sociais e de gestão das expectativas da população local. As preocupações das organizações internacionais envolvidas neste novo Watchdog das autoridades reguladoras fazem por isso sentido. As várias pesquisas sobre a Europa demonstram que o nível de insatisfação não está controlado localmente como era esperado.
As autoridades reguladoras nacionais são organizações eminentemente técnicas. Foram incluídas no sistema do estado nação talvez com o intuito de dar continuidade ao processo de globalização europeu. A opção de nomeação vai desintegrando o modelo de representação político da democracia que depende da eleição direta dos representantes. Neste modelo, no debilitado em Portugal, os órgãos dos reguladores não são eleitos e respondem hoje mais à agenda do conselho europeu e da comissão europeia que à agenda nacional. Numa Europa que se quer mais forte, outra coisa não seria de esperar.
No sistema democrático, o organismo que faria a representação política dos cidadãos para efeitos de definição das normas seria a Assembleia da República. Com a descaracterização do modelo democrático republicano liberal de representação proporcional que orientava a democracia portuguesa, a desorganização democrática avança a galope na União Europeia para uma democracia semi-federada-coiso avec dun petite peu à lá United States. Na minha opinião, o resultado é algo tão descaracterizado que expõem claramente os problemas de deixarmos uma mudança a meio fazer.
As Associações Voluntárias da Sociedade Civil rapidamente perceberam que de pouco lhes vale peticionar junto das autoridades locais. Estamos perante uma Assembleia da República presa à disciplina partidária de voto, mesmo não estando em causa o cumprimento do programa eleitoral. Os governos são formados por nomeações sem eleitos. A União Europeia é gerida como uma federação de governos. O mais provável é vermos surgir outras iniciativas como esta.
Esta iniciativa das organizações das Associações Voluntárias da Sociedade Civil são o sintoma e não a causa da falta de confiança na democracia e nas organizações europeias. Sem representação junto dos órgãos que tomam as decisões, as associações de defesa de interesses reagem como seria de esperar.
Um antigo secretário geral de um sindicato que representava trabalhadores no regulador e nos regulados uma vez ameaçou ir pegar fogo ao prédio do regulador nacional a ver se assim já o ouviam. Parece que estamos mais perto disso acontecer e não vai ser com gasolina que vão atear a fogueira.