Tios e tias da família

Julgo que a minha biografia, começará por algo como “Álvaro Ferro, originário de uma família…”, e continuará por aí adiante com comentários do tipo “… com numerosos tios e tias…”, da parte da mãe mais que da parte do pai.

Muitos destes tios e tias têm tido, ao longo do tempo em que me relacionei com eles, episódios que justificam em muito o que sou hoje. Tenho uma tia, de quem o meu pai me disse em leito de morte “Não te metas com a tua tia. Nem lá vás.”.

Esta tia, no funeral da própria irmã, minha avó, que tive de tratar pessoalmente pela inépcia que assolou aquele lado da família na altura, questionou-me entre outras coisas se “Foi para isto que o teu tio perdeu o dia de trabalho?”, esteve por isso dois anos sem me ver.

Quando nasceu o terceiro, fruto do Projecto paternidade, decidiu-se em família que já seria altura de reatar ligações e que ela ficaria feliz pelo sobrinho-neto.

Fomos até sua casa onde fomos recebidos num primeiro instante com entusiasmo e no final com um “Agora vê lá se só cá voltas quando ele for para a tropa.” Ainda estamos à espera que saiam os editais para lá voltar.

Lembram-se da telenovela brasileira “Tieta do Agreste”? Recordo com especial agrado esta novela, dado que era um desenrolar de situações caricatas que geravam meia hora de risadas. Pois tenho uma tia que deve lembrar-se ainda melhor, mas pela negativa.

Parece que aquela história do sobrinho que ia para padre, mas já não foi, e que namorava com a tia, prostituta de alta roda que já não era, não lhe caiu lá muito bem nos gostos religiosos. Cortou o cabo que liga a televisão à electricidade e só o deixou reparar quando foi publicitado o final da novela.

Se assim foi com um incesto, imagine-se com o “Roque Santeiro” em que havia um santo que afinal não tinha morrido e nem era tão santo como isso, um beato que era beberrão e ao mesmo tempo o pedinte da aldeia, um presidente de câmara que tinha rejuvenescido toda a cidade à conta do milagre que não existia…

Algo que seria absolutamente inverosímil, minha nossa senhora de Fátima.

Recordo com saudades um tio meu, que já com os seus setenta e muitos anos mas ainda mergulhador e malacologista reconhecido internacionalmente, visitava o Algarve no mês de Agosto por ter casa por lá, acompanhado do seu camaroeiro e três senhoras da sua idade.

Iam especificamente para a Praia dos Caneiros em Ferragudo, praia onde nas minhas férias de verão fui nadador salvador, conhecida mais pelo nudismo que se praticava do lado oposto que pelo lado contrário onde decorriam as expedições do meu tio.

Uma vez aí, passava o dia no meio dos rochedos a recolher búzios para os seus estudos deixando as três senhoras que o acompanhavam, para além do camaroeiro, na melhor mesa da esplanada do restaurante sobranceiro à praia.

As senhoras, não sei se pelo número de horas que ficavam esquecidas, se por mal da idade, utilizavam o tempo disponível para, pedindo cada item de sua vez, tornar o dia do único empregado de mesa no mínimo mais colorido. Os seus pedidos incluíam “A minha bica bem tirada. Está a ouvir. Bem tirada.” e “Um quarto de água, mas com três copos”.

A entrega dos pedidos era sempre retorquida com uma reclamação mais ou menos vaga “A chávena vem fria”, “O café está mal cheio” ou “Eu tinha pedido bem tirada”.

Aquele que

É uma história recente aquela do programador autodidacta transformado num mau gestor de projecto que têm de ser reconvertido num pior consultor. Para aqueles que estão a ler isto e pertencem aquela interminável lista de vítimas dos consultores/programadores/gestor de projecto e que já tiveram entre mãos a necessidade de contratar uma empresa de desenvolvimento de software, sabem do que estou a falar. Continuar a ler “Aquele que”

Love boat

No passado mês de Agosto andou por aí um barco onde seria possível efectuar abortos em águas internacionais a tentar aportar no nosso jardim à beira mar plantado.

Questionaram-se as instâncias nacionais, desde lá acima até cá abaixo, se deveriam deixar entrar ou não o referido barco nas nossas águas ou se já que vinha de águas europeias não estariam no espaço Schengen e por isso a autorização não fosse necessária.

Digo lá de cima até cá abaixo pois que desde a prostituta até o padre dos militares, D. Januário Torgal Ferreira, houve a oportunidade de deitar a sua posta para a bancada, sendo depois interpretada de tantas maneiras quantas as possíveis para vender mais jornais.

Digo isto pois que o que D. Januário veio dizer foi que desde que não houvesse crime e pretendessem apenas discutir as ideias, estando nós num país livre, não poderiam impedir o barco de entrar, mas o que se algaraviou nos jornais foi que “Bispo do exército concorda com a vinda do barco do aborto”.

De pouco ou nada lhe serviu dizer: “Mas… Mas… Eu não disse nada disso.” uma vez que “Tá dito. Tá dito!” já que agora “Portugal têm Bispo que concorda com o aborto”.

Desde que no barco dos outros ou posso fazer lá na mesa da cozinha também? E lá vem a velha história da discriminação que convém ver esclarecida: Podemos fazer todos ou só as mulheres?

Eu cá não me interessa fazer nenhum aborto, mas à para aí cada aberração, que pode ser que lhes encha o ego de transexuais e marchants de moda poderem dizer: Ó rica, sabes lá. Aquele aborto deixou-me de rastos. Tou que nem posso.

Os nossos amigos no poder entretêm-se agora em pequenos arrufos de namorados: O Ministro da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar diz que “No meu mar, só quem eu quero.”.

O Presidente da República “Com os meus barcos, só eu é que brinco.”.

Venham lá então explicar-nos: Se só quem brinca com os barcos dele é ele, como demorou tanto tempo o Chefe Supremo das Forças armadas a dar pela falta de uma das suas seis fragatas.

É que o Presidente assim até parece que não querendo opôr-se à oposição que o tal dos ministro pretendeu fazer, opõem-se só agora que o barco já não vêm. Afinal até nem se opõem muito. Só um bocadinho.

E na sua Casa Militar, dos seus Chefes da Casa Militar, assessores, ajudantes de campo, oficiais das Forças Armadas, secretariado e pessoal administrativo não há para lá um que saiba onde guarda o nosso ilustre Presidente os seus barquinhos?

É que se der para o torto, podem virar-lhe os obuses para cima da casa. “Ó Presidente, dê lá outro rumo a este barco, antes que isto meta água.” E o Ministro, com um nome tão pomposo não convém questionarmo-nos “E que Assuntos são esses?” Biquínis e praias de nudismo?

Ou lá vamos nós ficar a saber que auditaram as praias do nosso litoral para saber se falta algum grão de areia? Se falta alguma coisa é coerência. Se o ladrão rouba, vai preso.

Se o empregado leva sem pedir, é despedido. Se o ministro usa sem poder “Há esse assunto? Já está fechado. Não se fala mais nisso.”

Venha ou não venha o Barco do Aborto, a confusão está instalada. Mude-se a agenda política.

Pensavam eles que depois de se desresponsabilizarem de tomar uma posição com o malfadado referendo do aborto, também conhecido pelo referendo das questões mal colocadas, já não tinham de se chamuscar mais com o assunto e que só tinham de aturar os acessos de mau e efusivo comportamento da camarada Odete Santos.

O Presidente, que não queria saber dos barcos, agora já sabe e vai ter de falar sobre o assunto.

O Presidente que se esquivou de tomar uma posição em relação ao aborto, tomou uma sem saber. Ou melhor, factualmente e cientificamente não é possível afirmar uma negação, assim lá fica a dúvida a sobrevoar as cabeças dos senhores políticos.

O Ministro, que não tinham posição tomada do Chefe Supremo, chegou-se à frente e tomou-a ele, que nisto de pôr e dispôr é lá com ele. Os deputados, para mostrarem serviço até já dizem: “Então a gente fala com as senhoras.”

E assim aproveitam para aparecer na fotografia dentro ou fora do barco e responderem à pergunta dos jornalistas “É a favor ou contra o aborto?”: “Estamos aqui para ouvir o ponto de vista destas pessoas, para podermos avaliar e tomar uma posição.”

Ou antes “Deixe-se lá de perguntas e diga lá o que é que eu posso responder que não me faça cair do poleiro, que com os preços das coisas sempre a subir, aqui é que estou bem.”

Está bem para eles, que nós é que lhes pagamos as contas. Um dia havemos de rever a situação, pois que quem paga as contas deveria poder dizer onde as queria ver feitas, ou melhor, como queria o seu dinheiro gasto.

O Barco do Aborto foi noticiado à laia de “Love boat” mas com um adicional: “You make love. We take it out.” O nome mais apropriado até nem seria barco do aborto, mas sim “After love boat”.

No barco holandês somos capazes de encontrar em lugar dos Comissários de bordo com o barman cómico e a loira com ar de parva a animar o convés, as matronas holandesas e os yupies feitos protestantes a receberem-nos, eles de membros superiores abertos em boas vindas, nós de membros inferiores aguardando a vez de abrir a más vindas.

Será que algum dirigente nosso ficou com medo que no meio da confusão o raspassem a ele também onde o sol não ilumina.

Provavelmente nem se importariam era de ser rapados, que nesta coisa dos procedimentos cirúrgicos, pequenos ou grandes, eles não querem lá os pelos para nada.

E se para voltarem a não ter passado tivessem de ser rapados, pois que seja. Uma situação algo estranha, pois que em lugar dos animadores de convés, devem ter os rapadores de convés.

Em lugar “Welcome aboard the Pacific Princess” seria “Welcome aboard, sua badalhoca deslavada que não teve a coragem de mandar companheiro brincar sozinho quando este não quis pôr a borrachinha.”

E em vez de “Esperamos que tenha uma boa viagem.” algo como “Esperamos que tenha uma boa raspagem”.

De dois para três

Temos finalmente a nossa vida organizada, agora que já passaram um ano e qualquer coisa sobre o início do projecto “Paternidade”.

Não era de estranhar que algumas coisas estivessem a mudar nas nossas vidas. O que estranhámos é tornarmo-nos em adultos à força, passando-nos a preocupar com coisas que dantes eram para nós irrisórias.

Os horários de sono, por exemplo, podiam ser alterados, consoante se tratasse de dia de semana ou fim-de-semana.

Que mal poderia ter deitarmo-nos só um bocadinho mais tarde no fim-de-semana?

Pois é. Agora que somos três sabemos que o terceiro, o que veio por último, se aproveita da situação para tornar a semana seguinte numa autêntica rave em que ás três da manhã continua a gritar pela casa “Gooooooooolooooo” enquanto atira com a bola contra os pais ensonados.

Da lista de compras fazem agora parte os pacotões de fraldas, o leite do menino e os potinhos com sobremesas e refeições de emergência variados.

Ir às compras com o terceiro é agora uma aventura, pois que ele quer saber tudo, mexer em tudo, e tudo têm de ser explicado.

Sinceramente, a mudança até nem foi grande já que continuamos a comprar mais coisas que as que inicialmente tínhamos na lista e esquecer-nos de algo que lá tínhamos posto ou inicialmente nem tínhamos anotado.

Vistas bem as coisas, está o filho a fazer as vezes do pai, que dantes perdia longos períodos a observar cada objecto novo que o supermercado oferecia, quer fosse um novo DVD da prateleira, quer fosse escolher o melhor naco de carne do talho.

As refeições eram tão simples como “Que queres que te cozinhe? Vamos escolher aqui no livro de receitas?”.

Mas agora temos a nova modalidade: “Não. Isso não pode ser que ele ainda não comeu isso”. Ou “ Bem, é melhor esse não ser já que introduzimos esta semana a carne de porco”.

Temos todos de comer a mesma comida porque, segundo as más línguas, preciso de regrar a minha alimentação para perder a barriguinha.

Cabelo por cortar, barba por fazer. Passear pela casa de cueca, coçar o escroto até doer. Puro para fumar e Rum velho para beber, são tudo coisas que já lá vão.

Noutros tempos escreveria algo do tipo: “O rum velho têm de ser sem gelo, que os homens de barba rija não se preocupam com essas coisas. Para degustar o puro, terá de se acender com os refinamentos de prazer só depois de momentos de antecipação findos após terminado o tempo do cubano no humedor.”

Nos meus tempos de solteiro, eram as saídas com os amigos a deitar piropos fora às grossas que de nós se vão aproximando ou os intermináveis jogos online com longas horas de conversa com os companheiros de guild (Grupos online que combatem para o mesmo fim) que num qualquer mundo virtual de dragões e aranhas gigantes são na realidade vendedores imobiliários nos Estados Unidos da América.

Em lugar das longas horas de jogos de computador, tenho agora exuberantes momentos com o terceiro a jogar “atira a bola ao pai” e “vamos andar à roda até cair no chão de tontos”. Bem sei que o nível de exigência mental não se compara a um SimCity, mas a excitação e alegria enchem a sala de família como a baba dos dentes a nascer enche o chão de tijoleira.

Em lugar da longas horas a ver filmes aninhado com a namorada feita mulher, longas e consecutivas horas a ver o infindável “Finding Nemo”, com o terceiro a dizer “peixe, peixe” e “pato, pato”