Da narrativa de demonização de um grupo

Animal Farm (Triunfo dos Porcos) de George Orwell
Animal Farm (Triunfo dos Porcos)
de George Orwell

O Estado e a Governação não são a mesma coisa. Com a morte dos Reis, “Le etast c’est moi” passou a “o Estado somos nós”. A nação e o Estado definem-se nas suas fronteiras e naqueles que lá dentro vivem:

  • Em sociedade;
  • Com justiça; e
  • Em paz.

Vivemos em democracia de acordo com a Constituição da República Portuguesa.

Chegados aqui, foi dando jeito a um novo governo atrás de outro fingir que as opções que aqui nos trouxeram lhes eram alheias e que nada tinham a ver com elas.

Serviu-lhes de álibi difundirem que não conheciam as contas ou que as contas estavam mal feitas.

Capitalizaram bem no modelo de Governação que suportaram os Partidos Políticos nesta viagem.

Souberam bem reduzir em nós, o Estado, aumentando-se a eles, a Governação. Quando nos apresentam a conta, misturam nos custos de nós, o Estado, o preço deles, a Governação.

Apertaram-nos os direitos e aumentaram-nos a responsabilidade.

Sempre que uma decisão de nós, o Estado, lhes podia ser desfavorável, disseram-nos que era demasiado complicada para decidirmos sozinhos ou que outros lhes forçaram a mão.

Pegaram na narrativa da demonização de um grupo e deixámos passar sem sobressalto as mudanças que foram impondo. Dividiram para reinar, sempre com a aparência que havia um mandato:

  • Que tinha sido essa “a vontade do povo”;
  • Que “eles são mais bem pagos”;
  • Que “eles têm muitas regalias”;
  • Que o grupo a atingir era mau e por isso todo o mal do mundo lhe podia acontecer.

Divididos estamos enfraquecidos e comandados pela minoria na Governação. Altamente vocal, a Governação domina os meios recorrendo à ameaça velada, ao medo e ao preconceito.

Primeiro vieram pelos comunistas, e eu nada disse porque eu não era comunista.
Depois vieram pelos socialistas, e eu nada disse porque eu não era socialista.
Depois vieram pelos sindicalistas, e eu nada disse porque eu não era sindicalista.
Depois vieram por mim, e então já não havia ninguém para falar por mim.
por Martin Niemöller

A Governação representa-nos a nós, o Estado:

  • Não podemos permitir que aqueles que nos Governam nos dividam para nos prejudicarem a um de cada vez, nivelando por baixo sem serem obrigados a decidir onde cortar na Governação;
  • Não podemos ter aqueles que nos Governam a limitar-nos nos direitos e aumentar-nos na responsabilidade, dizendo-nos que temos muita Governação porque exigimos muitos direitos;
  • Não pode a Governação nacionalizar-nos a nós, o Estado, com regras e narrativas que apenas aparentam dar a livre decisão a nós, o Estado;
  • Não podemos continuar a ter regras que só reduzem a responsabilidade da Governação e nos punem a nós, o Estado, pelos incumprimentos deles, a Governação.

As nossas escolhas para formação da Nação não foram deixadas ao sabor da Governação. A Constituição da República Portuguesa é disso o testemunho, não um mero documento alegórico a que os sucessivos Presidentes da República o ditaram.

Os governos são os nossos eleitos para Governarem aquilo que é nosso:

  • A nosso favor;
  • Com o nosso consentimento;
  • Pelo nosso futuro.

Uma vez eleitos, mudança atrás de mudança, alteraram a legislação até só com dedicação maior ser possível entende-la por completo, mas mantiveram a máxima que o seu desconhecimento não implica o seu incumprimento, responsabilizando-nos mais uma vez a nós e apenas a nós pela dificuldade em cumpri-la.

Para não cortarem em nada, cortam em nós, o Estado. Capturados por outros interesses, eles, a Governação, são incapazes de resolver cortar onde lhes irá doer por perderem os apoios de alguns. E escolhem então cortar, mas não a todos de maneira igual. Escolhem um singular no meio do grupo. E como um predador, separam-no do restante grupo. Dizem-no enjeitado ou incapaz e com isso justificam a sua matança, porque uns serão mais iguais que outros.

Começámos em:

  1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
  2. Qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
  3. Nenhum animal usará roupas.
  4. Nenhum animal dormirá em cama.
  5. Nenhum animal beberá álcool.
  6. Nenhum animal matará outro animal.
  7. Todos os animais são iguais.

Ficámos com:

  1. Nenhum animal dormirá em cama com lençóis.
  2. Nenhum animal beberá álcool em excesso.
  3. Nenhum animal matará outro animal sem motivo.
  4. Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.

Vêm agora cortar nos empregados dizendo que querem comprar a mesma coisa, mas pagando menos. Mas agora a oferta e a procura já não interessam. Os “Mercados” são irrelevantes nestas coisas. Nem por um momento se questionam sobre a confiança que pode ser depositada naqueles que não cumprem nem com os próprios que representam.

Criam uma lei que torna nula a letra dos contratos em vigor e altera estes e outros acordos sem atribuir as contrapartidas previstas aos lesados. Se o empregador não quer mais pagar o valor acordado, terá de despedir sem justa causa e consequentemente pagar o valor acordado.

Os trabalhadores com o mesmo tipo de contrato de trabalho, com o mesmo vinculo a uma entidade patronal, com a mesma legislação aplicável, não podem ser descriminados consoante a entidade patronal.

Os trabalhadores geridos pela Governação não podem ser descriminados. São os nossos trabalhadores, de nós, o Estado. É verdade que têm um empregador muito especial porque é um empregador que se faz representar por uma Governação que emprega e faz e desfaz as leis consoante as circunstâncias:

  • Porque hoje há emergência, amanhã será urgência;
  • Porque hoje é temporário, amanhã será definitivo.

O Governo, porque pode fazer as leis, não as pode alterar em seu favor, acusando-nos a nós, o Estado, de sermos os responsáveis pelas decisões que não tomaram.

Detesto as analogias porque podem ser interpretadas de muitas maneiras, mas imaginem o seguinte:

Num Condomínio, um dos condóminos, vamos chamar-lhe senhor Silva, é também a pessoa que tem o contrato de manutenção das escadas.

O senhor Silva limpa, arranja e garante que tudo funciona com a Assembleia de Condóminos exige.

O Administrador eleito, por razões que não interessam agora, considera que o valor pago pelos serviços do senhor Silva é muito elevado, mas contrariamente ao que está indicado no contrato, reduz o pagamento sem pagar a compensação prevista no contrato e querendo manter o serviço com os mesmos níveis contratados.

Queremos alterar os nossos acordos com os nossos iguais e esperamos que tudo fique como dantes. Primeiro foram os trabalhadores que nos têm a nós, o Estado, como entidade empregadora representada pelo Governo. Depois os de outros sectores.

A descriminação deixou de ser de género ou religião, mas de sector e imposta pela Governação.

O discurso da igualdade e a falta de visão para o futuro

Tanto discurso sobre igualdade deste e daquele

Alguém que se lembre que a maior desigualdade está em preterir um pai ou mãe a favor dos egoístas que decidiram não ter filhos, mas serão sustentados na reforma pelos filhos dos que foram preteridos.

Façam cotas para os que contribuem para uma sociedade futura investindo nos homens e mulheres de amanhã.

Façam cotas pelos que saem do trabalho para vir apoiar na casa, sabendo que amanhã esta opção lhes poderá custar não serem escolhidos para fazerem algo que os preencheria.

Façam cotas para aqueles que têm de faltar ao trabalho para manter os narizes limpos dos que vos sustentarão na velhice.

Deixem-se de merdas. Desigualdade é ser o melhor e ser preterido por alguém que “sabe estar” melhor.

Que falta de visão para os nossos cidadãos quando as crianças de que querem fazer homens do futuro nem sequer irão chamar sua a esta terra.

Ainda o Crespo, mas agora com Angêlo Correia

As razões que levam alguém a argumentar desta forma, se têm razão mesmo que argumentando assim ou se a greve não é boa para o país, poderiam ser assunto. Prefiro alertar-vos para a velocidade a que se desenrola a desonestidade intelectual do senhor Ângelo Correia que nem me deu tempo de escrever, mas junto-vos algumas notas:

  • Invocando falsa autoridade indicando-se a ele próprio como tal ao dizer “não não que isso conheço eu”;
  • Distorção de factos chamando “A aristocracia operária” aos grevistas;
  • Bulverismo – esta perdi a conta das vezes que indicou que a senhora Helena Roseta estava errada sem indicar porquê;
  • Tomar o todo pela parte dizendo que “alguns levam isso” sustentando o argumento que os trabalhadores levavam para casa cinco mil euros; e
  • O mesmo e o seu contrário “não sei os factos que se passaram nas negociações”, mas afirmou logo que “houve um sindicato que se recusou a participar”.

Aparentemente está previsto um tribunal arbitral a que não recorreram. Aparentemente querer negociar não é aceitável quando a outra parte quer algo que não lhe queremos dar. Aparentemente ir a um tribunal arbitral estará errado se proposto pelo outro argumentador. Aparentemente as negociações servem para se aceitar o que a parte mais forte entender.

Isto tudo enquanto o jornalista Mário Crespo se diverte, apoiando apenas o argumentador a desdizer outro, mesmo que sendo falso. No final o senhor Ângelo Correia, seguindo a lição do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, lá acabou por dizer que devia obrigar a uma decisão arbitral, como na Alemanha.

O padrão de dizer algo e o seu contrário é uma característica infelizmente presente nos comentadores políticos que vamos vendo aparecer.

Os senhores dos portos que façam lá o formalismo do tribunal arbitral.

Se esta Constituição da República Portuguesa não serve, inventa-se uma nova

Antes de mais, assentemos umas coisas sobre a Constituição da República Portuguesa, o Tribunal Constitucional e o Presidente da República Portuguesa:

  • A Constituição da República Portuguesa só pode ser mudada por maioria de dois terços da Assembleia da República. Eu também não gosto de barreiras e de ser contrariado, mas esta constituí a última barreira para que aquilo pelo qual os meus pais e avós lutaram não seja desfeito sem um largo consenso. O meu avô chegou a estar preso por mais de uma vez para termos uma Constituição da República Portuguesa como esta e para que não se alterasse quando dá jeito. É assim e é um facto com têm de contar até que convençam o que vos falta dos dois terços para a mudar.

Posto isto, pagamos aos senhores deputados, ministros e secretários de estado, não para dizer impropérios que criem clivagens em momentos que necessitamos de serenidade e coesão social e não de razões para estarmos ainda mais deprimidos. Precisamos sim que usem para o bem o cérebro que justifica o pagamento que recebem e para com as regras que apresentei resolver os problemas que temos.

Se os senhores ministros, senhores secretários de estado e os senhores deputados não gostam das regras podem fazer o que pedem aos seus cidadãos que façam: emigrem porque têm mais condições que muitos dos vossos concidadãos para vencer lá fora. Nós por cá nos governaremos com o que temos, como sempre temos feito.