A narrativa deste governo é simples. Não é verdade, mas parece plausível. É é fácil de repetir. Funciona como uma lengalenga infantil. Preenche o espaço e adormece as ideias. É repetida ad nauseum.
O governo anterior levou o país à bancarrota.
Não há dinheiro.
Nós recuperámos o país.
Se não votarem em nós, a dose é repetida.
A lengalenga é repetida por todos os meios. A lengalenga suspende o raciocínio. A lengalenga não questiona. A lengalenga parece inofensiva. A lengalenga enxovalha quem discorda. A lengalenga agride quem foi sacrificado. A lengalenga não admite contraditório, diz como tudo aconteceu e vai voltar a acontecer.
Vamos aos factos:
Será que o governo anterior levou mesmo o país à bancarrota?
Não houve uma crise nos mercados financeiros que se espalhou dos Estados Unidos da América aos bancos europeus?
E não houve uma reação da Comissão Europeia e do Conselho Europeu a pedir aos governos que investissem e recuperassem esses bancos?
E não disparou o preço do petróleo?
Não ousem questionar a narrativa abertamente ou a resposta vem pronta e breve:
O governo anterior levou o país à bancarrota.
Não há dinheiro.
Nós recuperámos o país.
Se não votarem em nós, a dose é repetida.
Por mim, chega. Chegou a altura de eliminar a lengalenga deste governo.
Proponho uma nova lengalenga. Uma lengalenga que vou contrapor vezes sem conta. Uma lengalenga que me vai libertar da narrativa deste governo. Uma lengalenga que me alertará para cada mentira dita, para cada promessa falhada, para cada garantia de trapalhada. Uma lengalenga que quero ver desaparecer em breve, mas que não posso ainda deixar de repetir até que deixe de haver razões para ela existir.
A minha lengalenga vai desaparecer com um novo governo e com novas políticas.
1. O país está pior.
2. As pessoas não estão melhor.
3. A economia não recuperou.
4. O desemprego aumentou.
5. A dívida pública subiu.
5. O governo falhou.
6. Não quero repetir mais esta dose.
O texto acima é o excerto inicial do comunicado de imprensa publicado no próprio site de um auto-intitulado Better Regulation Watchdog. Quando as organizações em que se aglomeram a Associações Voluntárias da Sociedade Civil (ver definição do Prof. José Manuel Leite Viegas de 2011 no Boletim do Núcleo Cultural da Horta, pág. 43-58 “A Participação Associativa Em Portugal: Que Contribuição Para Uma Sociedade Civil Forte.”) se juntam para criar um grupo de pressão junto dos organismos que governam a União Europeia, facilmente concluímos que até a sociedade civil sabe que em breve já pouco ou nada se poderá decidir localmente em cada aldeia-nação da Europa.
Nas Associações Voluntárias da Sociedade Civil incluem-se todas as associações em que não existe obrigação de participação. Neste grupo incluem-se organizações de ação cívica, clube desportivos, associações recreativas, organizações religiosas, sindicatos, associações profissionais, organizações patronais. Estas últimas, segundo Leite Viegas seriam as associações voluntárias de defesa de interesses e provavelmente as mais interessadas em criar um organismo deste tipo. Deparadas com incapacidade de influenciar os resultados das políticas nos seus próprios países, organizaram-se federando-se ou associando-se a organizações de dimensão europeia para se fazerem ouvir
A construção europeia tomou para os organismos centrais europeus a política de investimentos e monetária e deixou para o governos locais de cada nação as preocupações sociais e de gestão das expectativas da população local. As preocupações das organizações internacionais envolvidas neste novo Watchdog das autoridades reguladoras fazem por isso sentido. As várias pesquisas sobre a Europa demonstram que o nível de insatisfação não está controlado localmente como era esperado.
As autoridades reguladoras nacionais são organizações eminentemente técnicas. Foram incluídas no sistema do estado nação talvez com o intuito de dar continuidade ao processo de globalização europeu. A opção de nomeação vai desintegrando o modelo de representação político da democracia que depende da eleição direta dos representantes. Neste modelo, no debilitado em Portugal, os órgãos dos reguladores não são eleitos e respondem hoje mais à agenda do conselho europeu e da comissão europeia que à agenda nacional. Numa Europa que se quer mais forte, outra coisa não seria de esperar.
No sistema democrático, o organismo que faria a representação política dos cidadãos para efeitos de definição das normas seria a Assembleia da República. Com a descaracterização do modelo democrático republicano liberal de representação proporcional que orientava a democracia portuguesa, a desorganização democrática avança a galope na União Europeia para uma democracia semi-federada-coiso avec dun petite peu à lá United States. Na minha opinião, o resultado é algo tão descaracterizado que expõem claramente os problemas de deixarmos uma mudança a meio fazer.
As Associações Voluntárias da Sociedade Civil rapidamente perceberam que de pouco lhes vale peticionar junto das autoridades locais. Estamos perante uma Assembleia da República presa à disciplina partidária de voto, mesmo não estando em causa o cumprimento do programa eleitoral. Os governos são formados por nomeações sem eleitos. A União Europeia é gerida como uma federação de governos. O mais provável é vermos surgir outras iniciativas como esta.
Esta iniciativa das organizações das Associações Voluntárias da Sociedade Civil são o sintoma e não a causa da falta de confiança na democracia e nas organizações europeias. Sem representação junto dos órgãos que tomam as decisões, as associações de defesa de interesses reagem como seria de esperar.
Um antigo secretário geral de um sindicato que representava trabalhadores no regulador e nos regulados uma vez ameaçou ir pegar fogo ao prédio do regulador nacional a ver se assim já o ouviam. Parece que estamos mais perto disso acontecer e não vai ser com gasolina que vão atear a fogueira.
Estive na Fundação Calouste Gulbenkian para ouvir Thomas Piketty falar sobre a desigualdade da distribuição de rendimentos. Eu era um entre muitos, mesmo muitos, que encheram o auditório, as suas escadas, os espaços do átrio e o exterior do edifício. Na minha opinião, não terá sido tanto o livro que encheu a sala, mas a vontade para ouvir os factos que sabiam poder apontar a uma nova solução.
Durante mais de uma hora o autor passou pelos principais pontos do seu livro “Capital no século XXI”. Os dados que apresentou não eram de Portugal, mas eram sobre os portugueses. Os dados apresentados sobre os outros países demonstraram o crescimento da desigualdade após os anos 80 em vários países, entre eles países da nossa Europa. Os rendimentos dos 10% com maiores rendimentos foram crescendo, enquanto os rendimentos dos restantes 90% praticamente não tiveram qualquer alterações.
Os dados para Portugal não são muito diferentes daqueles que este autor apresentou. Mesmo sem os rendimentos de capital, os dados para os rendimentos médios em Portugal a preços de 2005 obtidos na mesma base de dados com que o autor efetuou as suas análises mostram que os 10% com maiores rendimentos se vão gradualmente distanciando dos 90% com menores rendimentos.
Este ciclo deve ser alterado. A distribuição dos rendimentos e igualdade de oportunidades para todos os cidadãos tornam-se um objetivo a cada geração mais difícil de cumprir. Isto acontece como consequência do acumular das desigualdades que vão sendo herdadas, geração após geração. As gerações descendentes daqueles que têm menores rendimentos e menores oportunidades dificilmente conseguirão acompanhar as oportunidades geradas para aqueles que descendem dos 10% com os maiores rendimentos.
O que todos devemos entender é que a solução nunca é simples, mas que não devemos deixar de procurar por alternativas. A boa noticia é que há sempre uma solução. O que deve ser claro é que não há só uma solução. As alternativas não podem ser construídas na narrativa com que nos convenceram a enveredar pela austeridade. O problema não vêm da benevolência da austeridade ou da malevolência do capital, mas das desigualdades que estes geram se não forem contrabalançados com políticas de redistribuição através do investimento na criação de oportunidades para aqueles que não tiveram rendimentos para acumular.
Se me perguntassem ontem sobre o futuro da Europa, iria dizer-vos que a herança dos últimos anos de Durão Barroso no eixo franco-alemão é pesada e deixou feridas difíceis de sarar nas populações dos vários países; que o discurso do atual governo não passa de uma cópia da narrativa alemã; que o futuro é cinzento e sem esperança porque aos cidadãos, jovens e velhos, já não interessa a Europa ou a política.
A minha participação na iniciativa Café Europa que decorreu há dias no ISCTE-IUL devolveu-me a esperança nos cidadãos europeus.
Sob a moderação e organização de um jornalista e a orientação de dos alunos do Doutoramento e Mestrado em Ciência Política do ISCTE-IUL e com as boas vindas de um professor universitário, falou-se na deliberação democrática e na representação dos cidadãos. Em torno de várias mesas de discussão, reuniram-se atores, desempregados, doutorandos, mestrandos e outros estudantes universitários.
Discutiu-se, mas não através do soundbyte ou com a agressividade que caracteriza hoje o debate político dos media. Discutiu-se no sentido nobre da construção e da formação das ideias de um projeto político. Tenho agora uma visão de futuro para a Europa que resulta das ideias que partilhei com os participantes no Café Europa.
Os fragmentos do diagnóstico e as propostas de solução estavam em todos os discursos dos participantes, desde a evolução dos tratados económicos até à Europa dos dias de hoje, sem esquecer que estes tratados foram conseguidos pela pacificação dos cidadãos através de medidas de redução das desigualdades. Nas propostas apresentadas, pediu-se mais participação nas decisões, maior transparência nas instituições e menos desigualdade entre todos os cidadãos de uma nova Europa.
Entendo que há hoje uma nova visão comum para a Europa que não passa só pelos indicadores económicos. Uma Europa que se projeta como ator mundial pela racionalidade e pelo suporte social às suas populações. A igualdade entre os cidadãos desta nova Europa irá manter a coesão e unidade interna que é a imagem que queremos projetar para o exterior. Só promovendo a imagem que criámos para nós próprios conseguiremos falar como uma Europa, a uma só voz.
Lá consegui, depois de várias tentativas falhadas, encontrar uma forma de recolher todos os links de todas as iniciativas de todas as legislaturas que é possível obter através do site da Assembleia da república. Para isso tive de me recorrer dos meus parcos conhecimentos e nenhuma prática em JavaScript. Não foi de todo mau uma vez que obtive um resultado repetível e, com algumas modificações, também pode ser utilizado noutros site. Como é que isto tudo se faz são coisas ali para o Poupar Melhor.
Com este script foi possível já as tabelas de resumo de todas as iniciativas legislativas. Já estou desde ontem a recolher a listagem das 16 397 iniciativas, percorrendo as 832 páginas de resultados. O segundo passo será obter através dessa listagem os detalhes formatados de todas as iniciativas identificadas de forma a identificar quais as iniciativas em que as associações voluntárias da sociedade civil participaram.
Legislatura
Inicio da Legislatura
Final da Legislatura
iniciativas legislativas
Duração da Legislatura
Média de iniciativas por dia na legislatura
I
1976-06-03
1980-11-12
1266
1623d
0,78
II
1980-11-13
1983-05-30
799
928d
0,86
III
1983-05-31
1985-11-03
943
887d
1,06
IV
1985-11-04
1987-08-12
728
646d
1,13
V
1987-08-13
1991-11-03
1516
1543d
0,98
VI
1991-11-04
1995-10-26
1298
1452d
0,89
VII
1995-10-27
1999-10-23
1461
1457d
1,00
VIII
1999-10-25
2002-04-04
993
892d
1,11
IX
2002-04-05
2005-03-09
1223
1069d
1,14
X
2005-03-10
2009-10-14
2073
1679d
1,23
XI
2009-10-15
2011-06-19
1445
612d
2,36
XII
2011-06-20
2015-07-30
2652
1501d
1,77
Totais:
16397
14289d
1,15
Nesta última legislatura já se vêm muitos projetos de resolução, mas ainda não tenho os dados todos para indicar se é uma tendência ou não. No período que decorre entre 1976 até 2015, caso até julho não houvessem mais iniciativas legislativas, já é possível antever quase 2 iniciativas por dia no parlamento. Se somarmos a isso a tendência de crescimento pelo número de iniciativas por dia ao longo das várias legislaturas, já se pode dizer que não foi tempo perdido.
Agora o que seria interessante era um informante privilegiado que me orientasse logo de memória para a justificação do que estamos a ver.