Fortalecer o cidadão e a democracia

O papel da cidadania reveste-se de uma importância singular na manutenção da qualidade da nossa democracia. Esta afirmação baseia-se no pressuposto de que as obrigações de cada cidadão para preservar a democracia não terminam com o direito ao voto. Se pretendemos manter a qualidade da nossa democracia, o direito à livre associação reveste-se, tal como o voto, de uma responsabilidade acrescida para cada cidadão.

Esta capacidade dos cidadãos para se associarem livremente cria membros poderosos e informados no seio da comunidade. Os cidadãos associados a outros membros da sociedade sentir-se-ão mais capacitados para exercer os seus direitos participativos.

Os direitos de cidadania ultrapassam a formalidade da escolha através do voto. Não podemos esperar que outros prossigam por nós em defesa da democracia sem lhes demonstrarmos o nosso apoio.

Não podemos esperar que as lutas que se desenrolam em favor de melhorias para a democracia sejam ganhas sem ombrearmos com aqueles que as combatem na primeira linha.

Não podemos quedar-nos na zona de conforto em torno da ideia de que basta aos membros de uma sociedade que lhes seja concedida a liberdade de associação para que estes venham a fazer uso dela.

A contribuição para a vida política através da representação de interesses e a manutenção da liberdade de associação reveste-se por isso de uma obrigação de todos para a melhoria da qualidade da democracia.

Uma percentagem de 11,7% dos cidadãos inquiridos na última volta do European Social Survey afirma ter trabalhado com algum tipo de associação.  Os baixos níveis de participação associativa para Portugal quando comparados com outros países são conhecidos e preocupantes.

A participação nas associações livres, o que exclui associações como as ordens corporativas e outras de adesão compulsiva como a família, permite a criação de novos laços de entre-ajuda e um capital a que o cidadão e a associação podem recorrer mutuamente. Sem uma organização preparada, não haverá nada para responder quando confrontados com a necessidade de agir.

As associações têm a capacidade de generalizar as aspirações dos seus associados. Têm a capacidade de traduzir estas aspirações em reivindicações que podem levar consigo aos representantes do poder. Podem integrá-las em propostas de alteração ou na manutenção daquilo que afete os seus representados.

Esta caminhada de entre-ajuda e defesa de interesses é mesmo considerada boa e necessária por organizações como a OCDE. (OECD. 2001. “Citizens as Partners – Information, Consultation and Participation in Public Policy Making.”)

Através da ligação das associações aos representantes políticos, é possível criar uma cadeia de participação. Esta cadeia permite aumentar o conhecimento dos eleitos para as várias realidades afetadas pelas suas decisões e fortalecer o contrato de representação.

Não se pode defender isto e compactuar com anti-políticos e anti-sindicalistas, uma espécie de contra-associativos. São estas as mesmas pessoas que reclamam da apatia dos membros da sociedade, mas fomentam a confusão que os afasta do esforço coletivo de organização, colando tudo o que é de mau aos representantes eleitos e tudo o que é de bom à iniciativa individual.

Não podemos permitir que os contra-associativos, uma espécie de escanção de associativismo, nos possam vir dizer que um sindicato é mau ou um partido político é uma máquina de assalto ao poder.

As associações de defesa de interesses de integração social e outras de participação livre têm também o seu papel a cumprir, mas as associações de defesa de interesses coletivos fazem parte da cadeia de ligações entre cada cidadão e o poder.

Ao deixarmos que subam ao púlpito destas associações pessoas que receberam esse direito através de processos democráticos e de livre associação para defender uma opinião que contraria o próprio processo que as elegeu, permitimos uma usurpação do poder que foi concedido a cada cidadão.

Aceitar que nos venham dizer que quem participa destes mecanismos de ligação ao poder é criticável por querer defender os seus interesses dentro do quadro constitucional, de forma aberta e transparente no âmbito do livre associativismo, é permitir que nos criem um sentimento de repulsa por algo que foi conquistado para os cidadãos.

E, como diz o ditado popular, “quem desdenha quer comprar”

(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 15 de junho de 2016)

A armadilha do Rendimento Básico Incondicional (RBI)

Vital Moreira é um dos deputados da constituinte que esteve cercado na nossa Assembleia da República quando se preparava a Constituição da República Portuguesa de 1976. Alerta hoje no seu blog Causa Nossa para a Irresponsabilidade do Rendimento Básico Incondicional (RBI). Lá faz umas contas de merceeiro para lembrar que o dinheiro em causa ascenderia a mais de 50 mil milhões de euros por ano.

As contas que faz são só o problema de gestão. Como sabemos, à boa maneira tuga, este problema resolver-se-ia afinfando com umas taxas em sacos de plástico ou um aumento de impostos ou assim. Alguém haveria de pagar a conta.

Mas o problema maior é económico, a começar logo pelo seu impacto na procura. Mesmo sendo uma teoria básica de microeconomia, não há como garantir que o aumento de dinheiro disponível para compra de bens de primeira necessidade não empurraria os seus preços para cima. E depois? Pretendiam tabelar preços? Senhas de racionamento? Não me parece.

Bem sei que depois de salvarmos bancos e banqueiros, Pitbulls e touros se questione por não salvarmos pessoas. Pois é, mas 2 errados não fazem um certo. Pena que só se lembrem de coisas da matemática quando não são aplicáveis.

A proposta do RBI é o tipo de armadilha política a que o Vital Moreira já criou imunidade.

O mesmo não se pode dizer de políticos com menos provas dadas. Se falarem a favor, serão conotados com despesismo amalucado. Se falarem contra, serão conotados com o poder capitalista e assim…

Pode um deputado ter dois empregos?

Um ministro não pode por lei acumular funções.

Já um deputado, que prepara e vota as leis na Assembleia da República, pode em determinadas condições fazê-lo.

Muito já se disse e escreveu sobre a deputada e ex-ministra das finanças. Já se disse tudo sobre a sua acumulação de funções numa empresa de gestão de fundos de investimento.

O facto de ser a senhora quem é torna qualquer discussão difícil e infrutífera. Pessoalmente a senhora não me suscita empatia, mas há quem tenha acumulado sentimentos sobre a senhora mais violentos que a anti-patia.
A mesma pessoa que nos quis a todos fazer crer que era impoluta, terá mentido aos deputados por mais de uma vez nas questões que lhe colocaram sobre as SWAP. Terá também ajudado na distruição dos papéis da auditoria e contribuído para a contratação de instrumentos financeiros do tipo SWAP apelidados de “exóticos”. Estes episódios granjearam-lhe o apelido de “Miss Swaps”.

Se por um lado não concordo com acumulação de funções de tão altos representantes da nação, por outro percebo que os políticos, mulheres e homens, têm aspirações e necessidades. Sabe-se lá que contratos de empréstimos pessoais ou outras obrigações tem cada um para determinar se à data de assumir funções de deputado tem condições para os ignorar?

A discussão deve ser feita de forma abrangente e não apenas por ser esta senhora. Fulanizar a discussão só fará com que tomemos mais decisões afinadas a casos concretos, deixando depois escapar pelo meio da filigrana jurídica os casos que não possam aí ser incluídos.

Num país com salários tão baixos, o vencimento mensal de um deputado parece uma fortuna. Esta avaliação é sempre relativa ao que entendemos ser o suficiente para um cidadão viver. Um reformado que ganha 200€ por mês só pode achar pornografico que se possa ganhar dez vezes mais, quanto mais valores mais elevados.
Estando ainda por findar a perseguição populista às recompensas para os que abandonarem tudo para servir a nação, dificilmente conseguiremos manter os melhores de entre nós nas funções de nos representar. Ninguém consegue comprar uma batata ou um ovo com puro altruísmo.

A discussão sobre a acumulação e salários dos nossos representantes deve ser feita longe deste folclore.

Cabe aqueles que elegemos mantê-la longe do folclore. Cabe-nos a nós cidadãos escolher melhor da próxima vez.

A campanha negra da PaF

Os partidos da PaF ganharam as eleições, mas a vitória não lhes garantiu maioria suficiente na Assembleia da República. Tinham por isso de garantir essa maioria através de negociação com os restantes deputados eleitos, mas não a asseguraram.

Como não obtiveram maioria suficiente em deputados da sua força política, nem em negociações na Assembleia da República, não reuniram por isso legitimidade suficiente para fazer aprovar o seu programa de governo. A PaF pegou então nessa impossibilidade e transformou-a numa campanha negra de medo e de acusações de golpe de estado e ilegitimidade.

Fê-lo sabendo que não tinha reunido os necessários apoios de outros partidos ao programa que apresentou. Sabia que não reunia deputados suficientes na Assembleia da República para aprovar o seu programa de governo, mas preferiu a pantomina do golpe de estado à conciliação dos cidadãos portugueses após as eleições.

Quiseram fazer crer que os deputados eleitos não teriam legitimidade para decidir um governo para além da força política mais votada em eleições. Preferiram ignorar que após eleitos, os deputados têm ainda de garantir que o programa do governo que apoiam é aprovado, que esta aprovação não é um mero pró-forma e muito menos folclore tradicional.

Falhada essa tentativa e confrontados com a nomeação de um novo governo, pretenderam que a alteração de rumo de governação traria de volta o resgate, o fim da aprovação dos mercados para as nossas necessidades de dívida e o desgoverno orçamental.

Usaram as promessas e ilusões da campanha eleitoral para dizer que tudo o que a PaF tinha feito seria destruído pelo novo governo. Foram contrariados pelas análises da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), a mesma a que queriam submeter o programa eleitoral do PS antes mesmo deste ser programa de governo.

A democracia não é um monopólio de ideias e de opções, e ainda bem. O PS apresentou uma alternativa negociada e aprovada por maioria de deputados eleitos para a Assembleia da República. Deliberou com as forças políticas que estiveram disponíveis para o fazer e conseguiu assim chegar a uma solução governativa.

A PaF tentou condicionar a ação dos restantes partidos da Assembleia da República através do medo e das mentiras. Em lugar de cuidar que tinha feito as previsões corretas para a aprovação do seu programa de governo, dedicou-se à propaganda de demonização dos outros partidos.

Os urros de “Bancarrota”, “Syriza” e “resgate” podem não ter sido a melhor estratégia de negociação, mas é uma estratégia de crispação que pensam cavalgar em protesto na oposição.

Vamos ver quanto tempo consegue a PaF sustentar-se como partido de protesto através desta campanha negra sem que os próprios militantes comecem a pronunciar-se por uma atitude mais deliberativa, menos crispada e mais conciliatória, necessárias à manutenção da integridade de Portugal como comunidade.

(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 10 de dezembro de 2015)

Subversão do debate político

A discussão política no espaço público deve permitir o debate aberto das ideias, com contributos de todos os interessados, suportado no livre acesso à informação, com a possibilidade de escrutinar publicamente as posições tomadas por todos os intervenientes e com formas alternativas de obter a informação. Estes princípios aumentam a possibilidade de termos um debate suportado na racionalidade.

A manutenção deste estado subversivo do debate e da informação ofuscada pelos apoiantes dos partidos que suportam o governo e formavam a coligação Portugal à Frente (PàF) contraria estes princípios em favor de uma maioria relativa do eleitorado que votou nessa coligação. Os resultados foram só claros ao indicarem qual o partido com mais mandatos na Assembleia da República, mas também foram claros ao não darem maioria absoluta.

Estes partidos continuam a atuar ignorando o passado, como se parte dos cidadãos eleitores não existissem e o Partido Socialista (PS) ainda estivesse no Governo em funções desde 2011. Mantiveram uma campanha de oposição a um PS que já não era Governo e de mascaramento dos números da sua governação, atuando ao nível da ocupação quase total do espaço mediático com a sua mensagem, roubando aos eleitores um princípio essencial do debate democrático.

O discurso político utilizado pela PàF tem sido o de medo dos mercados, o do ódio aos trabalhadores do Estado e de esmagamento de qualquer ideia que possa sequer pensar em defender uma rede de suporte social para aqueles que sejam menos afortunados na sociedade. Fazem-no, quer estejam em tempo de campanha, quer se encontrem em governação absolutista dos destinos do país ou, como agora, em que se debate a consensualização da forma de aplicar o poder de forma estável e duradoura, tal como é esperado dos partidos políticos.

Repetem sem parar os dogmas da sua doutrina como se se tratasse de factos explicáveis racionalmente. Fazem-no à exaustão para que uma mentira repetida muitas vezes acabe por se tornar algo que os cidadãos reconheçam como verdade. Desta vez procuram passar a ideia de que o PSD em minoria na Assembleia da República, sustentada pela abstenção ou aprovação pontual de medidas pelo PS, é a única forma de garantir um “tempo do compromisso” “estável e duradouro” como pediu o Presidente da República a Pedro Passos Coelho, quando decidiu convidá-lo a verificar se tinha condições para formar Governo.

O Presidente da República decidiu este convite recusando acusações de se substituir aos partidos políticos. Pois foi isso mesmo que fez ao não ouvir os partidos representados na Assembleia da República. Ao ignorar o art.º 187 da Constituição da República, o Presidente da República ignorou não só os partidos políticos, mas todos os cidadãos que os escolheram como seus legítimos representantes.

Por seu lado, Pedro Passos Coelho e os partidos que o apoiam voltaram aos jogos pueris das cartas enviadas ao PS. Enviam uma carta ao PS precisamente antes da saída do secretário-geral do PS para ser recebido pelo Presidente da República. Repetem as táticas subversivas de 2011 para se vitimizarem depois, seja qual for a decisão e argumentando que tudo fizeram.

O Presidente da República, o PSD e o CDS excluíram os legítimos representantes dos cidadãos que não votaram nestes dois partidos e coube ao PS aceitar o voto soberano e incluí-los no debate político de formação de um Governo duradouro para Portugal. O diálogo com todos os partidos políticos, aceitando a decisão soberana do povo ao eleger deputados de outros partidos, é a via democrática.

O que está aqui em causa não é se a PàF ganhou ou não as eleições legislativas de 2015 ou se o PSD é o partido com maior número de mandatos na Assembleia da República, mas se essa vitória dá ao Presidente da República e aos deputados do PSD, em coligação do CDS, a capacidade para suportar um Governo na Assembleia da República. O PS já disse no Acção Socialista Digital que perdeu as eleições legislativas de 2015. O que o PS nunca disse foi que tinha desistido de Portugal.

(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 15 de outubro de 2015)