PORRADA.

Saido de uma escola privada onde nos tempos livres se ensinava inglês e francês em troca de recompensas alimentares a crianças da primeira à quarta classe, a minha preparação fisica para o que me esperava era nenhuma. Nos primeiros dias descobri que era prática saudar todos os novos colegas com o famoso “”carolo algarvio””.

Não se trata de nenhum bolo algarvio de ovos e amendoa mas sim do uso do fruto de uma àrvore (a qual agradeço que me informem do nome) que quando seco e colocado com a sua forma de concha na mão produz um som em tom concordante com o da cabeça onde bate.

Assim, de cada dia que se entrava no recinto, todos os que ainda não nos tinham saudado com o “”carolo””, dirigiam-se em grupo aos mais pequenos para o fazer.

Julgo que esta era alguma forma de seleção natural aceite entre as tribos locais, uma forma de verificar se a caixa craniana dos descentes da localidade tinha endurecido devidamente para o que a esperava a seguir.

Não pensem que isto não era aceite, pois que foi preciso um professor para nos explicar que isto era “”uma praxe”” para “”caloiros””.

Aquilo que entendi por “”praxe”” foi prepetuação dos erros do passado, enquanto por “”caloiros””, o ùltimo da fila.

Mas a violência não acabava por aqui. Aí daquele que tentasse jogar descansadamente ao berlinde com os seus amigos minorcas, e logo aparecia um aluno repetente ou mesmo um do mesmo ano superalimentado para “”abafar”” as nossas esferas de vidro.

E nada como uma boa discussão com a colega do lado, que como é sabido podia ter a mesma idade mas havia desenvolvido muito mais rápido, colega que estava sempre disposta a fazer valer os seus pontos de vista com uma boa mão cheia de estaladas.

E digo-vos que nesta altura não havia Dragon Ball Z para incentivar a violência, pelo que esta tarefa cabia aos restantes colegas, tão pequeninos e já mirones formados e ávidos de sangue.

Perguntam-se por aí como é que foi possivel sobreviver? Não vou dizer que corria mais rápido, pois que com a minha altura na data as minhas pernas eram proporcionais, até porque é um bocadinho dificil correr com um gordo de 200 kilos sentado em cima de nós.

Já a técnica de não ter nada de valor e cheirar mal dos pés pareceu bastar para sobreviver, até porque a ùltima vez que me tentaram “”abafar”” os berlindes eu decidi-me a usá-los como arma de ataque, tornando-me em mais um pequeno David, desta feita sem fisga e sem cabrestos para tomar conta.

Isto foi uma história de violência.

Faisão de capoeira.

Quero dizer-vos que ser criança é algo muito ingrato.

Não nos deixam fazer nada do que gostaríamos, porque temos de seguir ordens, apenas para nos apercebermos que quando já não as temos de seguir, não têm a mesma graça fazer o que dantes desejávamos.

Saibam que fui dos poucos rapazes da minha idade, que quando andava na escola primária, se podia vangloriar que havia comido o melhor arroz de faisão de capoeira da sua vida.

Aliás, o único. Aquilo era o arroz tostadinho em cima e o macio do bicho lá escondido dentro, já devidamente desossado e temperado. Assim que a travessa saíu do forno, a mesa atirou-se à iguaria sem vacilar. Mas voltemos atrás no tempo.

A minha mãe tinha-me entregue à guarda da prima da minha avó a quem eu carinhosamente chamava tia, pois que para mim todas as pessoas com rugas já tinham idade para ser tia. Levaram-me para a quinta deles, acima de Lisboa, onde me mostraram os lagares de azeite e os terrenos.

Com a minha tia e o meu tio, ía o filho deles que tinha mais uns dez anos que eu e se divertia a contar-me as histórias mais mirabolantes que brotavam da sua imaginação. Dava-me toda a sua atenção e explicava-me a cada passo a produção do azeite.

Na primeira noite fiquei ultrajado com o estado em que estava o interior do país, pois que, como me explicou, todas as pessoas da aldeia tinham de se deitar às nove horas, uma vez que o homem que tomava conta do gerador da aldeia o desligava a essa hora.

No dia seguinte e no dito almoço, já em casa de outros membros da família, foi-me explicado que os mesmos ganhavam a vida a criar o maravilhoso Faisão.

Naturalmente que a minha curiosidade de criança, manteve-me irrequieto o suficiente até encontrar as capoeiras, onde infelizmente apenas haviam patos na altura.

Digo-vos que só recentemente me apercebi da peta que me haviam pegado, tendo por isso ganho um ódio figadal ao dito prato.

Hoje não deixo de apreciar um dos momentos mais felizes da minha vida de adulto, precisamente quando me aproveito da mente ingénua dos mais pequenos da família enquanto lhes explico que para fazer uma página para a www é necessário implantar um chip especial na cabeça para a pessoa conseguir imaginar tudo antes de passar para o computador.

Mentir aos mais crédulos explicando-lhes as coisas num ponto de vista mais alucinado, é a melhor sensação que o mundo pode dar. Acho que só isso pode justificar o sorriso na cara dos políticos enquanto andam em campanha.

A gaita do vizinho: uma história de violência

É de pequenino que se torce o pepino. Para o caso, a gaita.

Diz-se que as crianças são crúeis por dizerem sempre a verdade, mas eu lembro-me que já na escola primária havia muito mentiroso.

Na realidade o que as crianças dizem sempre é o que lhes vêm à cabeça sem pensarem, não tendo isso de ser necessáriamente a verdade.

Quando estudava na primária eram frequentes os ataques nos mictórios para medição de orgãos genitais por parte de gangs mal organizadas de meias doses com problemas fálicos mal resolvidos, provocados talvez por já no ventre da mãe se darem ao trabalho de compararem o seu pénis com o outro ùnico pénis que já tinham visto.

Assim e após rápida comparação, entretinham-se a discutir com o restante gang no recreio qual seria a maior gaita da classe.

Parece que deste tempos imemoriais e comum a várias culturas se encontra ligado o tamanho do falo com a capacidade reprodutora.

O remanescente dos dias de hoje é mera herança deturpada que se espelha agora nas conversas de homens, só que agora não se fazem raids à casa-de-banho masculina para examinar o pénis do elemento do grupo recém-chegado, mas acredita-se piamente que este tamanho se encontra demonstrado na viatura em que se faz transportar.

Assim, compreendo perfeitamente porque é que algumas raparigas bem parecidas sempre preferiram andar de BMW ou Mercedes, em lugar de passearem na minha antiga vespa de estudante, visto que esta, comparativamente com os ditos automóveis, era deveras menor, demonstrando aos seus olhos a menor capacidade fálica. Conversa de pilas.

Corte de Cabelo

Quando era muito novo, e vivia ainda em Lisboa, num modesto apartamento, acompanhado pelos meus pais e a minha irmã mais velha, apercebi-me que o mundo estava cheio de mulheres dominadoras sequiosas de poder.

Não passava um dia em que a minha irmã e a sua amiguinha não me obrigassem a comer as suas sopas de caldo-verde, com pedaços da melhor relva e regada com a melhor lama. Uma visão pavorosa.

Mas isto não é nada. Contra minha vontade, e que isto fique bem acente, por várias vezes me vestiam com as roupas da bonecas e me passeavam no carrinho da ditas.

Numa certa tarde em que me confiaram às garras da desvairada da minha irmã, ela tratou de me usar para experiementar a sua vocação cabeleireira de 4 anos, inovando com o meu parco cabelo num corte digno dos maiores defensores do cubismo hermético.

A dominação estava sempre presente.

A minha mãe obrigava-me a comer ou a ir deitar-me às 9:30 sem sequer poder ver a sessão da noite na televisão. A mim! Um jovem de 3 anos.

O mundo está cheio de injustiças.

E a gata lá de casa que o diga, pois quando não era o menino a puxar-lhe o rabo, era a menina. Isto para não falar que no dia do corte cubista, em que a gata teve direito a ficar sem bigodes.

As prendas do menino!

Um homem vem ao mundo e vai-se embora exactamente da mesma maneira:

– Gosta de maminhas, faz birra para comer e borra-se nas calças.

Quando nascemos é mais nas fraldas, mas qualquer pai que se preze gosta de ver a primeira prenda que o menino faz.

Abre-se a fralda e… Ena! Caquinha rala!

Acredito que não tenham sido os meus pais os primeiros a mudar-me a fralda, mas que a mudaram muitas vezes…

Aliás, tantas vezes que ao fim de uns tempos o pai babado diz:

– Porra, pá. O miudo deve estar podre.

Mas isto de fraldas é mais para as mulheres, que gostaram tanto delas que decidiram continuar a usá-las, mas numa versão menor, uma vez por mês.

Têm a minha solidariedade.