Dissertação de mestrado sobre Atividade Parlamentar e Associações Livres

No momento que escrevo já passou algum tempo que fiquei a saber que o meu primeiro ano de mestrado em Ciência Política me concedia o grau desconhecido e não-reconhecido de pós-graduado em Ciência Política. Encontro-me por isso naquela encruzilhada terrível de decidir entre ficar-me por aqui ou seguir para uma dissertação de mestrado. Esta dissertação de mestrado não é o equivalente a produzir meia dúzia de trabalhos escritos. É um trabalho mais aprofundado sobre um detalhe de uma determinada ciência em que se espera surja algo de novo para contribuir para o conhecimento cientifico.

A dissertação de mestrado é para os meus professores, especialistas nas matérias que tratam, o equivalente a escrever um artigo de revista cientifica. Estes artigos de revista cientifica são algo que os professores universitários passaram a ser obrigados a produzir ao kilo para manterem a sua posição na carreira docente. Tanto quanto me foi dado a entender, algo que espero estar enganado, a última invenção dos nossos governantes foi ligar os objetivos dos professores universitários à produção de artigos científicos. O tema da minha dissertação não será certamente sobre isto, mas poderia analisar a forma como especificamente as associações profissionais, partidos e eleitos se posicionavam quando uma regra destas era imposta. Seria interessante, mas não é o tema da minha dissertação.

A minha dissertação de mestrado terá de ser necessariamente sobre a relação do poder legislativo, a esfera política, com a vontade social, a ligação à esfera privada. É um tema que pessoalmente me apaixona, talvez pelo pouco conhecimento que tenho sobre como tudo isto funciona, mas também porque entendo que é a relação entre estas duas esferas e a distinção clara destas duas para a esfera empresarial que tem de ser estudada.

Não será certamente sobre todos os atores e todas as relações que existem sobre o tema, não só porque isso não cabe em 40 páginas e anexos, mas porque isso implicaria dissertar sobre a relação dos partidos com as associações, as origens das elites políticas nestas ou a forma como estas associações servem de pedra na estrada até ao poder político. Não que o assunto não me detenha ou não me faça colocar questões sobre que tipo de pessoas então surgem e como caminham no sentido à eleição para o poder democrático, mas porque entendo que antes das suas origens há que avaliar as suas consequências.

Não será uma explicação de como é feita a passagem da esfera privada de cada associado até que a sua vontade de generaliza e resulta nas ações da associação ou na forma como as associações se distinguem umas das outras pela participação mais ou menos coerciva dos seus associados. Isso levar-me-ía a ter de explicar a suas origens, citar autores como Rober Putnam sobre o desaparecimento das associações nos estados unidos da américa ou Alexis de Toqueville sobre como estas associações tiveram um papel diferente na américa do que tiveram na europa.

Isto não significa que os autores e temas não tenham sido importantes na minha aprendizagem ou que não mereçam consideração para serem estudados e aprenderemos mais sobre eles. Significa sim que o conhecimento cientifico tem de ser feito em pequenos saltos para a frente, sob pena de se perder a sustentação cientifica para as conclusões que se tira.

Uma dissertação de mestrado é por certo o trabalho de um aprendiz, mas não pode por isso ser desconsiderado nem ser apoucado por terem as suas conclusões sido tiradas do esforço desse aprendiz, mas pode retirar toda a credibilidade e reduzir por isso a reputação ao aprendiz se não for cuidado e revisto para todas as falhas que possam por em causa as conclusões que retira da pesquisa que faça sobre o tema que se propõem estudar.

Quando alguém me disse que tinha uma decisão muito difícil para tomar sobre um tema que não queria partilhar os detalhes com ninguém, fui muito rápido aqui do alto da minha mania que sei tudo a informar essa pessoa que a melhor maneira de tomar uma decisão difícil é colocar por escrito aquilo que nos aflige. É o que tenho feito aqui neste blog estes anos todos que escrevi e muitas e belas contas de psicólogo me tem poupado.

Serve por isso este texto para aplicar a mim próprio o remédio que receitei a outros. Para mim tem de ser em dose cavalar. Enquanto aos outros aconselho a escreverem a negro numa folha em branco, de forma a controlar os meus demónios da preguiça, obrigo-me a escrever publicamente o que penso. Aquilo que escrevo aqui hoje é o exorcizar de todas as perguntas que poderia fazer, mas que não receberiam respostas por preguiça. Aquilo que escrevo aqui hoje procura definir muito em concreto uma pergunta e um objetivo para a minha dissertação de mestrado.

Não sei quem inventou isto, mas uma pergunta é metade da resposta; não há perguntas inocentes; nem as perguntas estão isentas de estarem erradas. Uma pessoa não pode simplesmente perguntar sem conhecer minimamente o tema que questiona, sob pena de colocar perguntas que não fazem sentido ou propositadamente não colocar a pergunta que se impõem.

Na relação institucional do Parlamento português com a sociedade civil terei de definir o que se entende por sociedade civil e como se rege o Parlamento nessa relação. A qualidade dessa relação pode ser medida, mas para isso teríamos de definir os padrões a verificar para saber se estão cumpridos.

A informação disponível no site do Parlamento permite obter os relatórios com as sínteses de atividade desta instituição. Neste relatórios é possível ler num dos relatórios que as 12 comissões deste Parlamento executaram 516 audições e 296 audiências durante a 3ª sessão legislativa. Talvez seja por aqui que deva começar. Quais destas são as que interessam para conhecer melhor a relação entre o Parlamento e a Sociedade Civil? E desta Sociedade Civil qual é a parte que nos interessa? Qual a pergunta que vou responder?

Comparando a atividade Legislativa dos Grupos Parlamentares e do Governo podemos colocar a pergunta se terão existido as audiências das associações da sociedade civil e se estas terão sido feitas pelos Governos da altura, substituindo-se assim aos deputados eleitos na Assembleia da República na sua função tanto de legislador como de representantes eleitos dos cidadãos.

Atividade Legislativa dos Grupos Parlamentares e do Governo

Atividade Legislativa - Projetos e Leis
Atividade Legislativa – Projetos e Leis

Se dúvidas houvesse, o quadro acima, retirado do relatório estatístico da Atividade Parlamentar 3.ª Sessão Legislativa no Período de 15 de setembro de 2013 a 25 de Julho 2014, é bem claro sobre o que acontece e quais as propostas que são aprovadas. O documento é interessante se olharmos para ele meramente ao quilo, ignorando a qualidade da produção legislativa, algo que não é indicado neste relatório.

No período em análise, o Partido Social Democrático (PSD) em iniciativas conjuntas com o Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) teve 7 iniciativas parlamentares que deram origem a Leis. O Partido Socialista (PS) teve 3 iniciativas parlamentares que deram origem a Leis, que é o mesmo número que o Partido Comunista Português (PCP) e Bloco de Esquerda (BE) tiveram juntos, com 2 iniciativas parlamentares para o BE e 1 para o PCP. Isto dá um total de 15 iniciativas parlamentares que deram origem a  Leis se lhes somarmos 2 iniciativas parlamentares com origem em todos os grupos parlamentares.

Mas se comparar-mos os valores dos Grupos Parlamentares com as iniciativas do Governo, então os Grupos Parlamentares estão numa liga diferente daquela em que o Governo joga. Este Governo já viu 48 das suas iniciativas parlamentares darem origem a Leis. Se o significado disto tudo for que as iniciativas de um determinado grupo dê origem a uma nova Lei ou alteração de uma antiga, isto é obra. O Governo, que por definição é o poder executivo, já conseguiu sozinho Legislar mais que os outros grupos todos presentes no Parlamento conseguiram juntos.

Gráficos sobre atividade legislativa do Parlamento
Gráficos sobre atividade legislativa do Parlamento

No entanto, o relatório referido não evidencia isto nos gráficos que produz. Os gráficos produzidos retiraram dos valores desenhados os resultados das iniciativas do Governo. Espero não ser eu que estou a ver isto tudo de pernas para o ar, mas a mim, parece-me estranho que o poder executivo, aquele que faz, seja aquele que maior número de iniciativas de Legislação, aquilo que determina como deve ser feito.

O Parlamento, ou Assembleia da República, é no meu entender o sitio de onde deveriam emanar o maior número de iniciativas Legislativas, mas aparentemente não é assim que acontece. O que aconteceu nos anteriores governos não é semelhante. As iniciativas dos Grupos Parlamentares que deram origem a Leis tem sido mais ou menos equilibrada, mas o funcionamento não foi sempre regular. Em alguns casos como na IX legislatura, a 1ªsessão viu dar origem a Leis 90 iniciativas dos Grupos Parlamentares comparadas a 65 do Governo. Estamos a falar do Governo Presidido por Durão Barroso. Na XI legislatura, a 3ªsessão viu dar origem a Leis 32 iniciativas dos Grupos Parlamentares comparadas a 55 do Governo. Estamos a falar do Governo Presidido por José Sócrates.

O Observador, os Tuk Tuks e a política do Táxi

Enviaram-me este artigo no Observador sobre a polémica entre os Tuk Tuk e os Táxis com o comentário:

“Vivó socialismo! Abaixo o mercado e a perigosíssima cartilha (neo) liberal!  E mais uma vez… todos querem mudança para que no final, tudo fique na mesma.”

Colocando desde já de parte a argumentação senil de que “a minha mudança é maior que a tua”, entenda-se que o próprio titulo do Alexandre Homem Cristo para o artigo era uma provocação:

Tuk-tuks: mudança ou ameaça?

Uma mudança pode ser sempre uma ameaça ou oportunidade, dependendo da posição de que se olha para a mudança. Ignorar isto foi propositado. De outra forma o tema seria apenas uma mera disputa entre a banca do peixe e a banca das frutas no mercado da Ribeira. O fiscal da praça estaria a jogar as mãos à cabeça porque é casado com a filha da senhora da fruta e tem um caso com a dona da banca do peixe. O jornalismo no seu melhor a tratar os grandes temas da concorrência que interessam à nação.

Tendo isto em conta, podemos então exagerar este tema num problema da nação e falar de concorrência e regulação num mercado livre e de acesso facilitado a todos os que nele queiram operar. Façamos então o mero exercício de fazer de conta que esta disputa tem o interesse para a nação que o comentador do Observador lhe quis dar.

O que é pedido pelos Taxistas pode não ser mais do que exigir aos condutores dos Tuk Tuks que tenham as mesmas barreiras de entrada no mercado que eles tiveram: Exames psicológicos, licenças de condução especiais, formação, taxas, concursos de licenciamento e por aí.

Há uma exigência lógica de que as condições de concorrência sejam semelhantes para ambos os meios uma vez que concorrem no mesmo mercado. Ficamos sem perceber se os Tuk Tuks e os Taxis são concorrentes ou complementares, mas uma ou outra e operando ambos no mesmo mercado só é justo que se regule para que mantenham ambos condições e que por favor não se ocupe o legislador a micro-legislar, roubando-nos a liberdade de nos entendermos entre pares.

O caso dos tuk-tuks interessa porque representa o confronto entre a concretização da mudança e um país que não consegue ultrapassar a sua dependência do Estado

“O caso dos Tuk Tuks” só existe como alegoria do “confronto entre a concretização da mudança e um país que não consegue ultrapassar a sua dependência do Estado” porque interessa juntar trunfos para combater um possível futuro adversário no Partido Socialista. “O caso dos Tuk Tuks” só existe porque a capacidade do homem de inventar outras formas de fazer a mesma coisa ultrapassa sempre a capacidade de antever essas novas formas por quem faz as regras, como é natural.

O comentário que me enviaram também sofria dos seus males, mas porque era uma provocação. Quando fala em socialismo, esquerda, direita e outras etiquetas o que pretendia era, obter o efeito choque, tal e qual como o comentador do jornal Observador. A argumentação de que a etiqueta é que é o problema quando na provocação o que se vê que é uma questão de pressão dos atores de mercado sobre o regulador no sentido de criar barreiras de entrada para o mercado.

O comentário trazia assim uma outra carga acusatória aos Taxistas, dizendo que estes pretendiam protecionismo e a possibilidade de regulação, uma coisa socialista:

Proteccionismos! É o que acontece com o socialismo a agir na economia (ou o corporativismo) – o ESTADO é o que nos salva a todos, mas depois não há dinheiro para tudo e há défices. E quem paga os défices e com quê? Quem é, quem é??!!!

Aceitava este excesso de generalização de muitas pessoas, mas quem me enviou o comentário tinha pela sua formação a obrigação de saber o que estava a dizer. Tanto o liberalismo clássico como o comunismo sofrem do mal de que acusam a esquerda liberal: a mania de que são eles os portadores da verdade. Senão, vejamos: A razão pela qual se chama esquerda é porque se sentavam à esquerda do Rei. Com esta esquerda ficou conotado o socialismo que se passou a chamar esquerda liberal ou, como gostam de se auto-denominar, republicana e humanista.

O protecionismo, esse era operado pelas corporações, protegidas pelo Rei e os seus fidalgos. Estes impediam outros que não eles de fazerem as próprias escolhas, chegando em alguns casos a ditar os tamanhos de tamancos que o mercado dos tamancos poderia oferecer nesse ano. O socialismo, a dita esquerda liberal, só queria que esses ditames deixassem de existir e que o Rei deixasse de poder emitir taxas/impostos e outros por decreto. Queriam que o cidadão, informado e livre, pode-se tomar sozinho as suas decisões.

O liberalismo clássico pretendia que esta mudança que a esquerda liberal operou fosse mais além, porque esta esquerda manteve na alçada da maquina do Estado as decisões sobre taxas/impostos e outros, independentemente do esquema de governação. Este liberalismo clássico surge com o poder financeiro da industrialização e pretende emancipar-se das razões que o prendiam ao Estado, para melhor poder negociar num mercado livre de interferências. Ora como se pode ver, falamos de um modelo de absolutos, isto é, sem interferências, e sabemos que não existem sistemas perfeitos e sem interferências.

O comunismo, aquele que se auto-intitula de verdadeira esquerda, pode ser reduzido à oposição ao liberalismo clássico por estar este ligado ao capitalismo. Esta visão do comunismo também é absolutista. Depende de todos os bens serem geridos por todos os homens de forma igualitária, seja lá o que isso for. Mais uma vez, um sistema perfeito, isto é, sem interferências. Outro absolutismo.

Quanto à afirmação de que o “protecionismo” e o “Estado” é que são a razão dos “défices”, temo discordar. O défice é criado com os erros de cálculo. São as previsões e não as regras e os objetivos que fazem os défices. Essas regras e objetivos existiam antes dos sucessivos governos avançarem para construções e ofertas que no meu entender se basearam em previsões impossíveis, seja qual for o cenário de crescimento conhecido à data das previsões. São exemplos disso as previsões da circulação nas estradas em que não haveriam portugueses em Portugal para atingirem os valores de previsão enviados para suportar o beneficio esperado da construção de certas estradas.

Anestesiados

As reações dos sindicatos a tudo o que se passa na vida política devem ser as da sociedade civil e não um resultado anestesiado da vontade política.

Como associação que organiza a vontade dos trabalhadores, as posições dos sindicatos devem ser distinguíveis das do poder político. Se assim não for, estarão a confundir-se e por essa via a reduzir mais o seu espaço de manobra. Fragilizados pelas constantes melhorias/adaptações/retificações/mudanças/piorias/coisas à legislação e o número cada vez menor de associados nos sindicatos, os sindicatos serão confundidos com caixas-de-ressonância dos partidos políticos e dos seus dirigentes se não conseguirmos ouvir do discurso dos seus dirigentes a necessária representação dos seus associados.

A destruição criativa das ações políticas não são mais do que o contrariar do equilíbrio estabelecido entre a esfera política, empresarial e privada. As forças da sociedade civil, onde se encontram os sindicados e outras associações de participação livre deviam ter de se preocupar apenas em contribuir para manter a paz com a esfera política e empresarial através do processo negocial.

As associações da sociedade civil não deveriam ter de lutar contra a esfera empresarial e política para sobreviverem. O desaparecimento da sociedade civil não irá permitir que a esfera empresarial e política maximizem a sua função. Esta função depende de todos percebermos a mais-valia do sistema de equilíbrios da democracia. O que se passa hoje é bem diferente de uma procura por paz e equilíbrio.