Numa decisão estudada e ponderada relativamente à nossa herança para gerações futuras, decidi em conjunto com a minha mulher darmos mais uma alegria aos nossos pais: Um neto.
Sim, é oficial e está registado em vídeo, fotografia e também em todos os exames que a minha mulher e sócia neste projecto têm feito desde o momento em que nos decidimos iniciar esta empreitada.
Como em todos os projectos em Portugal, o nosso sofre dos mesmos males.
As negociações com o cliente não foram muito longe pois este não sabia bem o que queria:
“Não me importo que seja menino ou menina. Se for menina também é bom. Se for menino também quero.” E se não chover amanhã, faz sol.
O âmbito fica claramente mal definido, sendo absolutamente claro para todos que mesmo sem definições concretas, mas com um objectivo absolutamente inalterável: O projecto terá de ter a duração máxima de 9 meses.
O cliente dificilmente ficará satisfeito:
“Pois, quando tu nasceste eras muito maior. Eu disse-te que ela tinha de comer mais.”
Ou qualquer outro comentário embaraçoso como “Sabes, filho, quando nasceste a enfermeira andou a mostrar os teus genitais a toda a gente por serem tão grandes.”
É natural que os rapazes acabem por isso por chorar mais que as raparigas. Eu também devo ter chorado bastante pois após 9 meses de chutar as minhas próprias bolas, deviam estar roxas.
Quanto ao planeamento deste projecto então nem se fala. Empurra daqui, puxa dali, e duas semanas depois compra-se Predictor que “A primeira a saber és tu.”
Pois. Ela e todo o pessoal hospitalar que lhe deu assistência nesse dia.
Já não se arranjam fornecedores em condições. São todos iguais.
A desculpa é sempre a mesma. “O senhor já me entregou o material com defeito.”
“Com defeito não, meu senhor. Que a minha mulher não é nenhum forno de segunda.”
E pimba. A barriga a crescer e os dias a passar. A coisa estava a aquecer.
Não houve análise e planeamento que resistissem.
Entre listas hospitalares de enxoval para o menino e roupa para a menina, mobilou-se o quarto da criança.
Num esforço de minimizar o impacto da chegada do novo elemento, dirigindo-nos até às creches locais à procura de uma que com berçário pudesse acolhê-lo após o período inicial de repouso do parto da mãe.
Claro que os míseros quatro meses a que as progenitoras da raça humana têm por direito ficam muito aquém das estimativas dos técnicos competentes: As gerações e gerações de mães que nos trouxeram até aos dias de hoje.
É claro que ninguém se lembrou de contractualizar a manutenção posterior:
– Para lavar e limpar mensalmente propomo-vos um valor fixo…
Mas não pensem que isso vos livra de trabalhar, porque como todo o bom fornecedor de serviços se alguma coisa corresse mal, digamos uma diarreia a resposta era logo:
– Bom… Isso não estava contractualizado. Vamos analisar o pedido. Mas que fique assente que foi alguma coisa que lhe deram e não fomos nós.
Agora que falta tão pouco tempo para o projecto chegar ao fim, surgem os pássaros todos de mau agoiro com histórias de experiências tipo campo de concentração e momentos de angústia nocturnos:
– A amiga da minha prima quando foi para sair a criança, o médico meteu ferros, meteu ventosa e no fim teve de sair com um saca rolhas.
– Eu não durmo nada desde que ele nasceu. Só pensa em comer e cagar.
A parte mais difícil no final de um projecto é sempre a motivação. Ninguém ajuda. É toda a gente a desajudar.
– Ele vai sair com a mudança da lua. É como as marés e as lulas.
Naturalmente que quando a criança estiver cá fora toda a gente vai dizer:
– Eu tinha dito. Eu sabia.
Mas venha lá o rapaz Tomás.
A ferros ou ventosa.
Com a lua ou com a maré.
De cabeças ou de pés.
Ele que não se preocupe com o que vão dizendo as más línguas, pois que o que interessa é que vai ser o projecto mais lindo do papá e da mamã.