“Se o poder político é exercido pelo povo, então é necessário assegurar aos cidadãos uma forma de participação direta e ativa. Só que esta participação do povo dominante não se compadece com a colaboração intermitente, antes exige uma participação exigindo intervenção permanente que possibilite, não apenas uma democracia representativa, mas uma autêntica democracia participativa. Ao alargar o papel da participação direta e ativa do cidadão na vida política, a Constituição da República Portuguesa atribui valor normativo à ideia de democratização da democracia, alargando as formas de cidadania ativa para além dos esquemas clássicos da democracia representativa” Gomes Canotilho e Vital Moreira (2007)
A forma de governo dos cidadãos escolhidos pelos cidadãos, que respondem aos próprios cidadãos e são legitimados por atos desses cidadãos, continua a ser a menos má de todas as formas de governo. Mesmo quando os resultados não são os melhores, ou quando os representantes eleitos remetem a jogos falaciosos que podem deitar ao descrédito o sistema que lhes deu o poder, a democracia continua a gozar de apoio considerável em Portugal.
Mas esta apreciação global, agora positiva, não nos isenta da obrigação de procurarmos uma forma melhor de sermos representados através de uma maior participação dos cidadãos na democracia.
Joseph Stiglitz, antigo economista chefe do Banco Mundial, tem também defendido a aproximação da governação aos cidadãos pela sua participação nos processos governativos. “Não sou, no entanto, otimista sobre a probabilidade de ocorrer uma reforma de governança, particularmente no que toca a reformas profundas do voto e representação. Aqueles que controlam uma organização não estarão aparentemente disponíveis para entregar o controlo facilmente”.
À escala local, nos municípios, este aumento de participação é tão mais importante quanto a maioria que elege não consiga avaliar os eleitos sem ver “obra feita”. Elegemos os nossos representantes para gerir os municípios, mas avaliamo-los no voto pelas melhorias que estes prometem fazer, sem para isso contrabalançar com os restantes objetivos de gestão.
A maioria que elege tem de conseguir relacionar-se com os resultados obtidos sem que para isso o eleito tenha de ereger ou prometer ereger obra que não era necessária. Mais uma rotunda, mais um lanço de ciclovia ou mais uma estátua não se podem sobrepor à necessidade de nos mantermos nos limites da gestão. As iniciativas têm de ser avaliadas face aos benefícios mensuráveis que os cidadãos vão obter.
As cidades inteligentes (Smart Cities) vêm abrir um novo potencial de abertura da democracia pela possibilidade de aumentar o nível de informação disponível aos cidadãos. Não estou a falar de mudar lâmpadas incandescentes por lâmpadas de baixo consumo e longa duração. Estou a falar da recolha e apresentação de dados que hoje em dia é possível através da orquestração das atividades na cidade nos computadores.
Os cidadãos atuais são pessoas informadas e o acesso à internet permite-lhes aceder a todo o tipo de informação. Queremos que estes cidadãos possam ver nos resultados de governação das cidades as melhorias aos indicadores que as iniciativas se propuseram implementar.
A ideia de cidades inteligentes tem de ser suportada na ideia de mais e melhor democracia para as cidades. É uma obrigação de quem representa cidadãos de lhes disponibilizar a informação que lhes permitirá julgar por si sem necessitarem de opinadores como seus intermediários.
Entrar hoje num edifício municipal deveria permitir ao cidadão tomar conhecimento de como esse edifício é gerido, sem que para isso tenha de solicitar relatórios. Essa informação devia estar disponível em painéis logo à entrada, indicando os recursos consumidos e as melhorias a esses consumos feitas no âmbito da atuação da gestão camarária.
Avançar para iniciativas como o orçamento participativo é bom, mas quem propõe medidas neste âmbito terá de ter mais informação sobre a gestão do seu município para o poder fazer de forma informada e com isso ser comprometido com os resultados das iniciativas que propõe.
A informação tem de ser disponibilizada em dados abertos e livres. Só assim poderão ser entendidos como fiáveis e só assim poderão os cidadãos estar à altura da tarefa complexa que é participar mais nos atos de gestão em democracia.
O afastamento dos cidadãos dos atos eleitorais e a crença de que a filiação partidária é uma marca para a falta de capacidade para pensar tornou-se numa característica da narrativa anti-políticos e anti-sistema que tem de ser combatida.
(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 26 de fevereiro de 2018)