Os comentadores independentes autocertificados são algo que não é de hoje nem vai terminar depois das eleições. Certificam-se a eles próprios da sua independência, querendo fazer crer aos outros que a sua independência resulta de não estarem, nem nunca terem estado, filiados num partido político.
Não me estou a insurgir contra os pensadores que se dizem independentes, longe disso. Estou contra aqueles que entendem que não podemos ter uma filiação partidária para podermos pensar de forma livre.
A independência de alguém não é um estatuto que se atinja por levar uma vida asceta, longe dos locais de debate político e sem nunca ter comprometido uma posição para atingir um bem maior.
Alguém que nunca se comprometeu com nada nem com ninguém terá certamente dificuldade em perceber uma filiação partidária.
Uma filiação partidária não é, nem pode ser um castramento intelectual, bem pelo contrário. A filiação partidária deve servir para dar um primeiro palco para que cada cidadão debata as suas ideias em espaço mais ou menos seguro, dentro de um grupo com uma visão genericamente semelhante à sua.
A filiação ou militância partidária implica um compromisso de apoio ao esforço comum do grupo para a construção de uma visão. A filiação partidária implica a participação nos debates para os estudos internos, o conhecimento das matérias em debate, para poder debatê-las, e a atualização com os resultados dos debates anteriores para não revisitar temas há muito resolvidos.
Não podemos esperar que o partido em que estamos filiados nos venha abrir a cabeça e injetar-nos lá para dentro as conclusões de outros debates em que o partido não participou. Depende, pois, de cada um dos militantes escutar o que pensam os outros fora dos debates internos do partido e com isso melhorar a posição comum onde ela possa ser melhorada.
Com a ideia de que são necessários comentadores independentes para uma espécie de esterilização do debate, vem também a ideia de que um candidato independente pode de alguma forma ser superior a um candidato nas listas de um partido.
Também não me estou a insurgir contra os candidatos independentes só por si. Estou sim contra os candidatos e eleitos que se afirmam à margem do sistema político, descomprometidos e, por isso, acima de qualquer decisão anterior dos partidos.
É bom que existam cidadãos que se mostrem disponíveis para debater e testar a sua visão junto do eleitorado e, quem sabe, trazer para fora do debate nos partidos aquilo que não está na agenda partidária.
Mas um candidato, para ser independente, não tem de ser apartidário ou nunca ter militado num partido político. Isso não o isenta de ter uma visão política ancorada exclusivamente numa ideologia.
O que isso certifica é que a sua visão política não passou por um processo conhecido de debate e generalização da vontade de grupo.
A independência não pode vir de não termos participado ou ouvido os outros. Tem de vir de sabermos distinguir a nossa opinião daquilo que resulta da análise sistemática dos dados observados que podem guiar as nossas decisões.
(Texto de opinião publicado no Acção Socialista – 25 de setembro de 2017)